Parabéns ao aluno Cleiton, 8º ano I, pela dedicação
Bordando minha história
com espinhos
“Um por todos e todos por um”, esse era o lema
da minha família no lugar onde vivia; uma cidade entre as montanhas de Minas
Gerais.
Entre a vida na cidade e na roça ia bordando
minha história. Sempre cantando, fazíamos o nosso percurso no carro de boi,
cujo barulho nos embalava numa incansável alegria. Nesse ir e vir levávamos a
nossa vida...
Papai exigia união e honestidade; na escola a
nota de comportamento deveria ser máxima, mas não se preocupava com a nota de
aproveitamento nas matérias. Éramos muito religiosos, tínhamos temor a Deus e
honra aos pais.
Hoje eu entendo o porquê dos infortúnios,
provavelmente, devido ao fato de ter aprendido a bordar com espinhos, um dos
entretenimentos ensinados por papai que nos dava folhas de bananeira e espinhos
para passarmos horas bordando. Talvez, por isso, conseguia enxergar, beleza nas
oposições e isso ajudava a acalentar o meu coração.
As inspirações para o bordado vinham das noites,
em que pessoas iam à fazenda contar estórias. Deliciávamos com os causos, hoje
eu tenho a sensação de que vivenciei noites ouvindo a “Velha Totonha”,
personagem do romance escrito José Lins do Rego, que contava estórias no
engenho.
Quando cansávamos de “bordar”, pegávamos os
nossos brinquedos, tais como sabugos, tijolos, frutas caídas das árvores, e,
não mais plateia, vivenciávamos as histórias. Tamanha era a realidade que
chegávamos a sentir a grandeza do pequeno mundo que nos cercava. Os dias eram
prazerosos, o calor do momento e do sol eram os holofotes da cena. Tomávamos
água na fonte, tocávamos o céu, subindo no galho mais alto da jabuticabeira.
Num segundo ato, mamãe anunciava o almoço,
corríamos como se estivéssemos encenando algo parecido com os mosqueteiros,
unidos sempre, dividindo tudo, talvez por isso, que aprendemos a
partilhar. Quando sentia sono, mamãe
dizia para deitar em qualquer lugar que depois nos levaria para a cama.
Amontoávamos, feito bichos cansados, isentos de quaisquer sentimentos
corrompidos, um corpo querendo repouso e continuar seu teatro em sonhos.
A vida nos convidava a aventuras e o sono era
satisfatório. Tudo era encantado. Rasgávamos palhas para encher colchões e
pensávamos estar construindo ninhos; compartilhar e respeitar à vida, como a
água transbordante, funcionando a roda que faz o pilão bater e socar o milho. O
milho que se transforma em pão, que acompanha o leite, tirado na hora. Tínhamos
o pão concreto e o pão abstrato, alimentávamos a nossa alma com sonhos,
esperanças e prazeres, tudo gratuito, numa natureza exuberante e aconchegante,
por um lado montanha, ao fundo um riacho, que supostamente morava a ‘Pequena
Sereia’; no terreiro, árvores frutíferas, e que, provavelmente, em alguma delas
escondia ‘Peter Pan’. Os animais faziam parte da rotina e ilustravam o cenário;
a sonoplastia natural, com berros, miados, cacarejar, piados, latidos, gritos e
risadas. O espírito de união, de colaboração, de amizade nos impulsionava a
divertir e seguir vencendo sem medo o que surgisse de inoportuno em nossos caminhos.
E no cenário da vida, onde se muda o tempo e o
espaço, minha mãe programava o registro da união familiar, seguiríamos até a
cidade, tiraríamos uma foto. Aprontamos. Os cabelos das meninas enfeitados com
laços de fita e tudo que tínhamos de melhor. Fomos de carro de boi, só que
dessa vez, não poderíamos estragar o figurino, lembro-me que senti até cãibras
por não me mexer muito, a fim de não estragar o penteado, fomos cantando, numa
alegria de dar gosto... Observava a paisagem que enchia meu coração de ternura;
ipês amarelos jogavam flores na estrada; pássaros voavam e cantavam, eram
mensageiros da felicidade; animais no pasto nos olhavam; eu me sentia uma
princesa. Chegamos. Posicionamos como indicado pelo retratista, meu irmão, mais
novo que eu, ao meu lado e minha irmã de dez anos ao lado de meu irmão. O
retratista arranja a “caixa” fotográfica e se prepara. Todos quietos e o
retratista enfia a cabeça em um pano preto e fala alto, “Olha o tiro!”. Meu
irmão saiu correndo e desapareceu, encontramo-lo somente na hora de voltarmos à
fazenda e ainda muito assustado. Infelizmente, a foto não foi tirada e até hoje
tento não esquecer a feição de minha irmã, que foi morar com Deus pouco tempo
depois desse dia.
Vamos sendo aprimorados e com força e fé,
enfrentamos os desafios. Novas personagens iam encenando, nos relacionávamos
bem com todos, independente de cor, condição social, todos eram iguais, assim
da mesma forma que considerávamos os irmãos, considerávamos os amigos.
Meus pais se orgulhavam de nos ver unidos e nos
abençoavam. Confiávamos e sabíamos ser bons amigos, não havia maldade, não
havia intrigas nem ciúmes, éramos felizes e quem é feliz é manso, prudente, tem
compaixão, não é egoísta, ama ao próximo, respeita o universo, respeita a si
mesmo e não tem medo.
Após muitos anos de cenas no teatro da vida,
ouço minha neta pedir ao seu pai que queria uma casa igual a da vovó, hoje eu
entendo que minha casa era um lar e minha vida era doce.
( História de Maria
Joana de Rezende Silva Oliveira -Nininha do Diquinho)